
Tenho reparado que viajar se tornou parte da vida de muitas pessoas, inclusive da minha :). Depois que comecei a viajar minha vida mudou, meus pensamentos mudaram, a forma de ver as pessoas de outras culturas mudaram, tudo mudou. E isso me fez entender que no fundo no fundo somos todos iguais, temos os mesmos problemas, os mesmos sonhos, inseguranças e fraquezas.
Para mim o que mais mudou foi a aceitação, viajar para um país onde a cultura e valores são diferentes e que estar no meio deles nos faz repensar sobre os nossos julgamentos, principalmente em questões religiosas. Nossa mente se abre e começamos a entender que não somos tão certos e muito menos melhores do que essa ou aquela raça.
Viajar nos enriquece, nos ensina coisas que jamais aprenderíamos na nossa zona de conforto; tudo começa no planejamento e na escolha do destino, onde já começamos a trabalhar nossos sentimentos. A ansiedade, o medo, as dúvidas e as expectativas tomam conta de nós, e isso é muito gostoso.
Primeiro, a decisão, pra onde iremos viajar! São tantas opções que fica difícil escolher! Depois olhamos os preços das passagens; fazemos cálculos, checamos a conta bancária, em seguida fazemos os trâmites necessários e legais – passaporte, vacinação, visto, o tamanho da mala. Aí que vem a melhor parte! Escolhemos a data, finalizamos a compra da passagem, fazemos o roteiro, escolhemos o hotel, ficamos namorando as fotos dos instagramers e salvando no celular pra tentar fazer igual, rsrs eu sempre faço isso kkk. Até que chega o dia de embarcar e todos aqueles sentimentos se juntam e temos a sensação que engolimos um monte de borboleta e todas estão vivas no nosso estômago, até que entramos no avião e tudo se acalma, menos pra aqueles que têm medo de voar kkkk. Chegamos no último estágio de uma jornada que apenas está se iniciando. Hora de explorar , de se perder, de achar cantinhos desconhecidos, experimentar a culinária local… etc! Claro que depois de algum tempo as viagens se tornam cada vez mais práticas e as borboletas no estômago vão diminuindo, mas nunca acaba, elas sempre aparecem naquela viagem ao desconhecido. Viajar é maravilhoso e não é tão complicado como muitos imaginam.
Viajar pode ser uma aventura, principalmente se for em família ou em grupos, imagina tendo que dar conta dos filhos, dos amigos, dos pais para correr tudo como se deseja. Afinal, viajar é uma arte de exploração, de sentimentos, de medos e de prazeres que nos faz conhecer novos lugares até a nós mesmos.
A arte de viajar pressupõe a importante noção de não complicar. Pode até ser impossível não haver uma chateação na hora de organizar uma viagem de férias ou de trabalho ou de estudos, mas a postura do viajante deve ser de total tranqüilidade diante das adversidades, por maiores que sejam. É comum o desespero quando estamos numa cidade desconhecida, com apenas um guia em mãos para se virar como puder, mas cabem as questões: como e para quê estou aqui? O que devo aprender com essa dificuldade? É essencial aproveitar cada minuto aqui, aproveitar as paisagens, os pratos diferentes e as pessoas que encontramos pelo caminho.
A experiência espiritual na atitude de viajar pode estar na admiração e no amor pelo lugar onde se está. Não estamos à toa naquele lugar, nem mesmo quando nos desviamos da rota e do destino antes programado. Tudo que acontece tem algum sentido, seja o trem que se perde ou a grande fila para visitar um ponto turístico. A viagem é uma forma de auto-conhecimento, é participar da intensidade de seguir o curso das coisas, dos fatos e dos horários de que nos apropriamos. Saber que existem imprevistos, como em todas as etapas da vida e nem por isso perder o ânimo. Tomar consciência de que existe uma razão de se estar ali, mesmo que num primeiro momento ela seja enigmática: por que, especificamente, aquela cidade, aquele país, aquele continente? Essas perguntas podem ser respondidas, num primeiro momento, como uma necessidade de sair do lugar comum e aceitar os ditames que o mundo exige de nós. Para isso, basta confiarmos nele, em suas rotas e suas paradas.
Muito mais que turismo, viajar pode ser um exercício espiritual, uma verdadeira peregrinação: sentir cada paisagem e cada parte dos trajetos como uma extensão de nós mesmos. Estão nas diferenças sociais e culturais os motivos principais de se conscientizar enquanto viajamos pelo mundo, respeitando-as e vivenciando-as como um aprendizado por meio de ruas, monumentos, museus, praças e fontes. Pode-se até ser solidário e perceber que lugares tão distintos aos nossos costumes e olhos tiveram as mãos de antigos descendentes que prezavam a beleza que hoje desfrutamos – contemplar a natureza e as obras primas de artistas consagrados vai além do arquitetônico, pois toca a alma e nos completa. Como deve ser uma prática espiritual.
Viajar é uma forma de meditação. Mesmo quando o motivo e o lugar para onde se vai não é querido, ela nos oferece lições valiosas e tão íntimas como a própria reflexão sobre as experiências que cultivamos diariamente: saber que o mundo é grande o bastante para aprendermos suas lições, seus segredos e suas distinções. São necessários os riscos, assim como é necessária a evolução interna que uma jornada nos proporciona, por mais curta que seja. Viajar é um ato de amor ao corpo, mente e espírito, pois é sinônimo de liberdade – de nós para com o mundo e vice-versa.
A escritora Cecília Meireles (1901–1964), a grande poeta de Vaga Música (1942), Mar Absoluto (1945), Romanceiro da Inconfidência (1953) e tantas outras obras definidoras da literatura brasileira. Ela talvez tenha sintetizado em alguns parágrafos, o que eu entendo por viajar. Vou transcrever as falas de Cecília dadas em entrevista pouco antes de morrer, em seu amor pela viajem.
“Cada lugar aonde chego é uma surpresa e uma maneira diferente de ver os homens e coisas. Viajar para mim nunca foi turismo. Jamais tirei fotografia de país exótico. Viagem é alongamento de horizonte humano”, disse.
E prosseguiu, exemplificando: “Na Índia foi onde me senti mais dentro de meu mundo interior. As canções de Tagore (poeta, romancista, músico e dramaturgo, reformulou a literatura e a música bengali no final do século XIX e início do século XX), que tanta gente canta como folclore, tudo na Índia me dá uma sensação de levitar. Note que não visitei ali nem templos nem faquires. O impacto de Israel também foi muito forte. De um lado, aqueles homens construindo, com entusiasmo e vibração, um país em que brotam flores no deserto e cultura nas universidades. Por outro lado, aquela humanidade que vem à tona pelas escavações. Ver sair aqueles jarros, aqueles textos sagrados, o mundo dos profetas. Pisar onde pisou Isaías, andar onde andou Jeremias … Visitar Nazaré, os lugares santos! A Holanda me faz desconfiar de que devo ter parentes antigos flamengos. Em Amsterdã, passei quinze dias sem dormir. Me dava a impressão de que não estava num mundo de gente. Parecia que eu vivia dentro de gravuras. Quanto a Portugal, basta dizer que minha avó falava como Camões. Foi ela quem me chamou a atenção para a Índia, o Oriente”.
Esse olhar de viajante, que Cecília registrou em crônicas duradouras, foi também a atitude que sustentou sua produção poética. E crônica e poesia dialogaram em sua obra, em mútua influência, compondo uma identidade literária inconfundível.
Mas o turista almeja, ao mesmo tempo, o atingível e o inacessível, o distante da civilização e o seu conforto. Dessa forma, a viagem turística exclui riscos e torna-se imagem da imagem da viagem construída sob o olhar romântico e sob aquilo que a fantasia cria.
E o que é o souvenir ? é uma possível garantia de que o lugar distante foi alcançado.
O turista é alguém essencialmente preocupado com o retorno, diferente do viajante, que se deleita não com o movimento entre paisagens, mas em pormenores de cada coisa contemplada.
Desta forma entendo que ao fazermos uma viajem temos que entregarmos ao espirito do viajante, que certamente iremos nos deleitar com cada minuto.
Além de Cecília Meireles outros importantes escritores parafrasearam sobre o ato de viajar:
Segundo Fernando Pessoa: “Para viajar, basta existir!” e de forma não menos sábia, Mário Quintana, afirmou e aconselhou em seu poema “A Verdadeira Arte de Viajar”:
“A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali…
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!”
O ato de viajar consiste em desplugar do cotidiano, mudar o contexto vivido naquele momento, partir para outras dimensões, atravessar portais secretos do imaginário, anuviar a mente com passeios em paisagens já visitadas e outras tantas ainda não conhecidas ou exploradas… Reparar neurônios, estabelecer novas sinapses para carimbos de alegria no passaporte (seja físico ou mental) e transformar-se em outra pessoa.
Acontece algo mágico, como um clique de “liga/desliga” conosco. Incrivelmente não só podemos, como nos transformamos em outro. De repente, não mais que de repente, perdemos a vergonha como num passe de mágica.
Ao viajarmos percebemos que fazemos e podemos fazer coisas / atividades que “normalmente” não faríamos e ampliamos nossos horizontes. Nosso olhar fica mais apurado, o olfato sente todas as fumaças e perfumes distantes… E tudo se torna belo, novo!!
Instigados, compramos o jornal local, procuramos diversões programadas, passeamos de bobeira, provamos dos quitutes da região, adquirimos artesanatos, tiramos fotos, captamos imagens e guardamos cravadas em nossa mente, sorrimos mais, conversamos com o motorista de táxi, com o motorista do ônibus, decoramos letreiros, andamos imensos quarteirões, visitamos praças, sentamos em banquinhos com pernas abertas para o sorvete não pingar na calça, conhecemos personagens, vestimos roupas mais ousadas, nos sentimos potentes, somos solícitos e prestimosos.
Sentimos a mesma sensação de um sonho realizado.
O escritor Paulo Coelho também descreveu bem o ato de viajar:
“Quando você viaja, está experimentando de uma maneira muito prática o ato de renascer.
Está diante de situações completamente novas, o dia passa mais devagar e na maior parte das vezes você não compreende a língua que as pessoas estão falando.
Exatamente como uma criança que acabou de sair do ventre materno.
Com isto, você passa a dar muito mais importância às coisas que te cercam, porque delas depende a sua própria sobrevivência. Passa a ser mais acessível às pessoas, porque elas poderão ajudá-lo em situações difíceis. E recebe qualquer pequeno favor dos deuses com uma grande alegria, como se aquilo fosse um episódio para ser lembrado pelo resto da vida.
Ao mesmo tempo, como todas as coisas são novas, você enxerga apenas a beleza delas, e fica mais feliz em estar vivo”.
Espero que este post o ajude a ver sua próxima viajem com outros olhos, mais romântico, menos consumista, mais contemplativo.